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Pedreiras: O primeiro hospital privado do interior do Maranhão – mais que um empreendimento: um patrimônio histórico e humanitário

O primeiro hospital privado do interior do Maranhão – mais que um empreendimento: um patrimônio histórico e humanitário

 

Dr. Kleber Branco e Josélio Carvalho Branco/Arquivo de família

Era o ano de 1955, quando Josélio Carvalho Branco, recém formado, chegou da Bahia em Pedreiras, após longos anos de estudo distante da sua família. Em algumas ocasiões conversamos sobre aquela época, os relatos de Josélio traziam no meu imaginário uma pequena cidade que era o maior centro do comércio de toda a região. Vários povoados, hoje emancipados, faziam parte do município de Pedreiras; não havia estradas pavimentadas e a assistência de saúde era muito precária.

Enfermos eram carregados em redes, em busca de algum tipo de atendimento em Pedreiras; no inverno, muitos povoados ficavam isolados, com acesso somente a cavalo.

Tempos muito mais difíceis que os atuais, talvez em um raio de 200 km não houvesse outro médico. Josélio chegava da Bahia carregando consigo o CRM de número 121 e a vontade de assistir toda aquela população.

Depois veio Manoel Branco, com excelência em Obstetrícia; juntos decidiram construir a Policlínica São Jorge. Kleber Branco foi o último a chegar em Pedreiras; iniciou seus estudos médicos na Argentina e terminou, assim como Josélio e Manoel, na Bahia. Trouxe consigo uma enorme bagagem de conhecimentos em Cirurgia Geral e Urologia. Inúmeras foram as histórias e testemunhos dos pacientes sobre esses três grandes médicos que foram pioneiros em tratamento hospitalar no interior do Maranhão.

Após alguns anos, trabalhando na assistência, Josélio decidiu entrar para a política e fazer Saúde Pública, tendo sido convidado, após reconhecido trabalho à frente da Prefeitura de Pedreiras, pelo então Governador do Estado do Maranhão, Pedro Neiva de Santana, para ser Secretário de Estado de Saúde do Maranhão. Sua vida pública trouxe inúmeros benefícios para a região e para todo o Maranhão. Seu engajamento com a Saúde Pública fez também com que o Presidente da República, José Sarney, o chamasse para ser Superintendente da extinta SUCAM (Superintendência das Campanhas de Saúde Pública) .

Manoel Branco, inovador e de inteligência invejável, além de médico, tinha apreço por mecânica, hidráulica e elétrica. Tenho informações que o mesmo realizava manutenções no gerador de energia do hospital, que na época, ainda não tinha fornecimento de energia da rede pública. Após inúmeros feitos na cidade de Pedreiras, Manoel Branco decidiu reiniciar sua vida profissional na recém inaugurada capital do Brasil, Brasília, onde desenvolveu um reconhecido trabalho na especialidade de Obstetrícia.

Kleber Branco foi o que ficou mais tempo na Policlinica São Jorge. Acredito que metade da cidade tenha nascido nas suas mãos, e que pelo menos 01 membro das famílias daquela região tenha uma história de vida com ele naquele hospital. A dedidicação ao atendimento aos mais humildes foi sua marca.

Quantas madrugadas Dr. Kleber passou acordado dentro do centro cirúrgico da Policlinica salvando vidas!!! Até hoje não consigo imaginar o quanto deve ter sido difícil para ele ter atendido em uma dessas madrugadas o seu próprio filho, vítima de um bárbaro assassino, e não ter conseguido salvá-lo…

Apesar dessa tragédia familiar, das enchentes que danificavam os equipamentos e instalações, e da grande crise financeira por que passou, quando as autorizações de internação hospitalar serviam como moeda de troca de apoio político dos governantes de plantão, a Policlínica São Jorge conseguiu sobreviver.

Sou o filho mais novo de Josélio e fui o que se propôs seguir a carreira de médico. Formei em 1997, apesar da grande diferença de idade que havia entre mim, meu pai e meus tios, tive o privilégio durante a minha formação de aprender um pouco com cada um deles.

De Josélio, herdei o gosto pela saúde pública e política; de Manoel, já em Brasília, o prazer em construir, reformar e a especialidade em Obstetricia; Kleber me deu muitas lições sobre a busca incessante do salvamento de vidas. Um pouquinho de cada um me levou a passar 8 anos trabalhando na nossa querida Policlínica.

Foi um aprendizado enorme, momentos inesquecíveis, acredito que não tenha vivido nada que se igualasse ao que meus antecessores viveram, mas tive o prazer de viver um pouco das suas histórias.

Nessa época, meu pai e meu tio já estavam idosos e, infelizmente, não pude tê-los como colegas de profissão e dividir esses sentimentos. A época era outra e eu precisava recuperar o prédio e as finanças do hospital. Um dos dias mais difíceis da minha vida, foi quando não pude manter o serviço de internação do hospital e muitos funcionários antigos tiveram que ser dispensados.

Arquivo/Portal sandrovagner.com.br

Com o apoio da minha família consegui reerguer a Policlinica, reiniciei com um pequeno ambulatório na parte da frente do hospital, onde inaugurei um serviço especializado em Ultrassonografia, Ginecologia e Obstetrícia e com isso os clientes começaram a retornar e a recuperação do prédio foi possível.

Após esses oito anos e com o prédio totalmente recuperado e equipado, a Caixa Econômica Federal disponibilizou um recurso para o município de Pedreiras para que o prefeito fizesse investimentos públicos na cidade.

Em outubro de 2008, Lenoilson Passos, reeleito para um segundo mandato de prefeito, havia prometido em campanha eleitoral a construção de um hospital público para Pedreiras, e com esse recurso disponibilizado pela Caixa Econômica, propôs a compra da Policlínica para o município. Meu pai já havia falecido e o meu tio Kleber havia nos deixado naquele mês.

Minha missão em Pedreiras estava encerrada. Concluí que o melhor destino que poderia ser dado para a Policlinica São Jorge seria passar de primeiro hospital privado do interior do Maranhão para primeiro hospital público de Pedreiras.
Vi nessa oportunidade, a Policlínica ser eternizada como patrimônio público do município de Pedreiras e continuar sendo a casa de acolhimento da população em busca de saúde.

Quatorze anos se passaram da venda da Policlínica e, a cada ano, vi esse patrimônio, agora público, abandonado, negligenciado, esquecido, sendo doado para outro fim.

As histórias dos médicos, enfermeiros, técnicos, pessoas que ali trabalharam, vidas que foram salvas na nossa querida Policlinica, foram simplesmente apagadas.

Dentro de mim e de todos os que por lá passaram, esse jamais será o seu fim. Agradecimentos eternos a todos que fizeram e se dedicaram pela idealizada Policlinica São Jorge.

José Branco Neto, médico obstetra, filho de Josélio Carvalho Branco, fundador da Policlínica São Jorge.

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