Rio de Janeiro: Morre Elza Soares, aos 91 anos

El exclusivo Elza Soares Foto: Bob Wolfenson

Morreu nesta quinta-feira, aos 91 anos, a cantora Elza Soares, no Rio de Janeiro. Segundo a família, a carioca morreu em casa, por causas naturais.

“É com muita tristeza e pesar que informamos o falecimento da cantora e compositora Elza Soares, aos 91 anos, às 15 horas e 45 minutos em sua casa, no Rio de Janeiro, por causas naturais. Ícone da música brasileira, considerada uma das maiores artistas do mundo, a cantora eleita como a Voz do Milênio teve uma vida apoteótica, intensa, que emocionou o mundo com sua voz, sua força e sua determinação. A amada e eterna Elza descansou, mas estará para sempre na história da música e em nossos corações e dos milhares fãs por todo mundo. Feita a vontade de Elza Soares, ela cantou até o fim”, diz o comunicado, assinado por Pedro Loureiro, Vanessa Soares, familiares e a equipe da cantora.

Elza Soares em 1964 Foto: Editoria Globo / Agência O Globo

Garrincha, marido de Elza entre 1966 e 1982 e grande amor da vida da cantora, também morreu num dia 20 de janeiro, no ano de 1983.

Considerada uma das maiores cantoras da história da música brasileira, Elza Gomes da Conceição começou a cantar no fim do anos 1950 e início dos anos 1960. Em toda a carreira, foram 24 álbuns, entre samba, jazz, com pitadas de hip hop, música eletrônica e funk.

Num país conhecido pelas imensas cantoras que a música popular produziu, Elza Soares foi, entre elas, a que teve a trajetória mais inacreditável: nascida na favela carioca de Moca Bonita (hoje Vila Vintém), foi mãe pela primeira vez aos 13 anos, aos 15 já tinha passado pela perda de um filho e aos 21 era viúva. Cantava para não enlouquecer, e a história que se tornaria a mais lendária de sua biografia aconteceu em 1953, quando foi tentar a sorte no programa “Calouros em desfile”, apresentado na Rádio Tupi por Ary Barroso. Diante da moça acanhada, em trajes humildes, Ary perguntou: “De que planeta você veio?” E Elza: “Do seu planeta, seu Ary! Do planeta fome!”

Continua depois da PUBLICIDADE

E com fome foi que Elza Soares agarrou a chance no rádio, os trabalhos como crooner nas boates do Rio e as primeiras viagens para a Argentina, até que em 1959 veio a oportunidade de gravar o seu primeiro disco, um 78 rpm ainda, com “Se acaso você chegasse” (Lupicínio Rodrigues e Felisberto Martins) e “Mack the knife”. Em 1960, ela estava em São Paulo, no Festival Nacional de Bossa Nova, realizado no Teatro Record, e na Boate Oasis. E a partir daí gravou seus primeiros LPs, “Se acaso você chegasse” (1960) e “A bossa negra” (1961), um marco da música popular brasileira.

Brasileira, negra e pobre, com todo o fraseado cheio de balanço que o bom samba requer, mas também com o conhecimento dos caminhos sinuosos e sedutores do jazz (e uma voz que se transmutava em trompete sem qualquer esforço), Elza era uma cantora que se comunicava com facilidade mas dificilmente era explicada. Ao longo dos anos 1960 e 70, ela esteve umbilicalmente ligada ao samba – em especial o da gafieira, ao qual ela apimentava os metais com a sua voz – e gravou discos de grande sucesso, alguns em parceria com grandes nomes do suingue nacional, como o cantor Miltinho e o baterista Wilson das Neves.

Continua depois da PUBLICIDADE

Moderna desde sempre, em uma cena musical que aos poucos ia se atualizando (e da qual ela sempre esteve à frente, em termos tanto de estilo e de competência técnica), Elza no entanto não conseguiu escapar do estigma reservado às mulheres do país. Em 1962 ela conheceu Garrincha e o romance proibido que eles começaram a viver (o jogador era casado) pesou muito mais para a cantora, que foi hostilizada publicamente durante anos, como uma destruidora de lares. Depois de casar-se, enfim, com Garrincha, o sofrimento não terminou: problemas dele com alcoolismo e uma ameaça de sequestro fizeram com que os dois se mudassem para Roma.

Os ciúmes e a agressividade que o álcool exacerbavam em Garrincha levaram ao fim do casamento, em 1982. A partir dali, uma vida que nunca tinha sido fácil para Elza começou a ganhar contornos trágicos: em 83, o craque de futebol das pernas tortas morreu de cirrose hepática. Em 86, aos nove anos, Garrinchinha, o filho dos dois, faleceu em um acidente automobilístico. Ali, a cantora, que ganharia mais tarde de Chico Buarque a canção “Dura na queda”, desabou. Vieram a depressão, drogas, tentativa de suicídio e uma dor que se sentia toda vez que ela cantava outra canção de Chico, “O meu guri”.

Mas sua história estava longe de terminar: numa década de 1980 em que as gravadoras perdiam o interesse por sua voz, mas artistas como Lobão, Cazuza e Caetano Veloso (responsável por tê-la tirado do ostracismo em 1984, ao chamá-la para cantar com ela o samba-rap “Língua”), Elza Soares preparava o seu espetacular renascimento.

Se a década de 90 não foi muito auspiciosa para Elza Soares – com poucos lançamentos e um acidente, em 1999, ao cair do palco do Metropolitan (RJ), no qual fraturou a segunda vértebra lombar — o ano de 2000 foi de redenção: ela ganhou um musical sobre a sua vida (“Crioula”, de Stella Miranda) e uma homenagem da inglesa BBC, que a elegeu a cantora do milênio e montou para ela um show no Teatro Glória.

Em 2002, Elza lançou o álbum que definiria sua participação nos novos tempos: “Do cóccix até o pescoço”, no qual cantou “A carne”, de Marcelo Yuka, Seu Jorge e Wilson Cappellette, duro e poético libelo antirracista, que nunca mais saiu do seu repertório. Cada vez mais próxima dos músicos jovens do rap, do eletrônico e do samba, a cantora acabaria sendo aclamada com um dos mais premiados discos da MPB de 2015: “A mulher do fim do mundo”, no qual deu voz e firmeza a canções contestadoras de compositores de São Paulo (depois, em 2018, com “Deus é mulher”, ela seguiu pelo mesmo caminho, com mais compositoras mulheres).

fonte: oglobo.globo.com

Deixe uma resposta