São Luís: Carta Aberta de médico expõe fragilidade da rede privada de saúde na capital do Maranhão

José Carvalho Branco Neto – Médico/Foto: Arquivo pessoal

O médico pedreirense Dr. José Carvalho Branco Neto – CRM- MA 3352, relatou em uma Carta Aberta, escrita no dia 22 deste mês, segundo ele, a fragilidade testemunhada na rede privada de saúde em São Luís.

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                                                                CARTA ABERTA
Um momento, vamos refletir!

O avanço tecnológico, notícias quase em tempo real, décimos de segundos, talvez nos separam do que acontece do outro lado do mundo. Qual será o tempo para processarmos todas essas informações em nosso cérebro?

A medicina também passa por esse mesmo processo da rapidez, diagnósticos que jamais foram pensados, alcançamos em 2023, como em um passe de mágica. Robótica, inteligência artificial, cirurgias realizadas à distância, informações que levariam anos para se obter, hoje cabem na palma da mão.

As lembranças da época em que o médico que trabalhava em Casa de Saúde observava atentamente seu paciente, ouvia a todo o seu histórico, examinava-o da cabeça aos pés – pele, mucosas, fâneros, ruídos, bulhas, odores – eram o que fazia-o refletir. O que está acontecendo?

Na madrugada do dia 17/10/2023, véspera do Dia do Médico, adentrei em uma cadeira de rodas na emergência de um grande e famoso hospital da capital do Estado do Maranhão, a recepção com piso reluzente, obras de arte, arquitetura implacável. Eu estava naquele deslumbrante ambiente, com muita dor, diarreia, vômitos incoercíveis e toda aquela beleza, agora estava contaminado pelas excretas e odor pútrido da proliferação saprófita em meu organismo.

Levaram-me ao encontro do médico, que estava em frente a um computador de última geração, ele ouviu a minha súplica por um leito onde eu pudesse deitar. Minha esposa, sempre ao meu lado, testemunhou todo o desprezo pelo ser humano banhado em fezes e vômitos. A medicação prescrita não fez o efeito necessário, pois estava aquém do que eu realmente precisava.

A atenção dispensada a mim foi mínima, não fora observado que se tratava de um quadro de desidratação grave em que através de uma simples ectoscopia seria possível fazer o diagnóstico.

Desculpem-me, caros leitores! Estamos falando de um moderno hospital, tecnologia de ponta, Ressonância Magnética, Cirurgia Robótica, exames laboratoriais automatizados – então – para quê ectoscopia? Nunca vi isso!
Anamnese? Eu só ouvi falar.

Na verdade, nesse hospital moderno, o médico não precisa examinar o doente, pois com dois cliques em seu moderno computador, o protocolo dos exames necessários para diagnosticar diarreia e vômito já está pronto. Em instantes chegam os técnicos do laboratório e o pessoal de apoio para levar o
enfermo ao setor de tomografia computadorizada.

Pasmem! A eficiência é tamanha que mesmo eu estando com fortes dores abdominais e lambuzado de fezes, o padioleiro insistia em me levar para realizar uma tomografia de abdômen. Naquele estado em que me encontrava, queria apenas que eu fosse hidratado, limpo e aquecido.

O tempo passava e o cômodo em que fui abrigado era hermeticamente fechado e congelante, o odor era insuportável. Minha boca cada vez mais seca, meu corpo hipotérmico, minha esposa implorando pela presença do médico ou por roupas para me aquecer – parecia tudo em vão; abandonado no meio da imensidão daquele hospital, após três horas do primeiro atendimento, já desfalecido, ainda tive forças para pedir a minha esposa que deixasse a porta da sala aberta, juntasse todos os papéis banhados em fezes e vômito e os colocasse em cima da cadeira de rodas que estava naquele cômodo e levasse tudo aquilo para o meio do corredor do hospital.

Ufa! Deu certo, apareceu alguém, então me levaram para um setor da emergência chamado de UCA. Enquanto era transportado, consegui ler uma placa onde estava escrito “GRANDE EMERGÊNCIA”, perguntei quem era o
médico que estava atendendo naquele setor, falei então que o avisasse que eu precisava da presença dele com urgência.

Poucos minutos se passaram e vi entrar no quarto o médico que eu havia solicitado. A ação desse médico foi imediata, fez a ectoscopia e logo diagnosticou choque hipovolêmico. Mobilizou toda a equipe, ordenou vigorosa
reposição de volume, porém minha pressão arterial continuava muito baixa, passou então a administrar drogas vasoativas, antibióticos, realização de acesso venoso central e todo o arsenal tecnológico disponível para salvar a minha vida, foi assim que consegui estar aqui contanto essa experiência para vocês.

Precisamos refletir, dar tempo para que nosso cérebro processe as informações, voltar ao passado onde a observação nos trazia grandes descobertas, buscar a simplicidade em nossas ações, resgatar a essência do
exercício da medicina, utilizar a tecnologia como um complemento a nossa capacidade intelectual e acreditar que podemos construir um mundo melhor. O Dia do Médico é todo dia em que conseguimos salvar uma vida.

Viva a anamnese, a ectoscopia e o exame físico! Eu ouço, vejo e examino: sou médico!

                                                         

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