
Após pedir para o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, apresentar um “parecer” para liberar pessoas vacinadas ou que já tenham sido contaminadas pela Covid-19 de utilizar máscaras, o presidente Jair Bolsonaro voltou a defender a flexibilização nesta sexta-feira, mas afirmou que a decisão final será do ministro.
— Ontem pedi para o ministro da Saúde fazer um estudo sobre máscara. Quem já foi infectado e quem tomou vacina não precisa usar máscara. Mas quem vai decidir é ele, dar um parecer — disse Bolsonaro, em entrevista na saída do Palácio da Alvorada.
Em seguida, o presidente disse que a definição “na ponta da linha” cabe a governadores e prefeitos, porque, de acordo com ele, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que “quem manda são eles”.
A decisão do STF a que Bolsonaro se referiu, tomada em abril do ano passado, apenas garantiu a autonomia de estados e prefeituras para tomar decisões relacionadas à pandemia. Na mesma decisão, a Corte deixou claro que o governo federal também pode tomar medidas para conter a pandemia, mas em casos de abrangência nacional.
— Se bem que quem decide na ponta da linha é governador e prefeito. Eu não apito nada. É ou não é? Segundo o Supremo, quem manda são eles. Mas nada como você estar em paz com a sua consciência.
Especialistas criticam ideia
Especialistas em saúde pública alertam que a ideia de Bolsonaro é “totalmente inadequada” e pode contribuir para o aumento do número de casos da doença no país.
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O infectologista Julio Croda, professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), alerta que as vacinas não evitam a contaminação de quem já foi imunizado. Isso significa que essas pessoas têm menos chances de contrair a forma grave da Covid-19, mas que podem transmitir o vírus. Máscaras formam uma barreira física ao vírus, o que impede a contaminação de pessoas que não estão infectadas. Por isso, enquanto a taxa de contágio continuar alta e o percentual de vacinados estiver no nível atual, todos precisam usar máscaras.
— O objetivo da vacina, neste momento, é prevenir os casos graves. A pessoa imunizada pode estar protegida de ser hospitalizada e de vir a óbito, mas pode virar uma fonte de transmissão para outras. Imagina isso nos ônibus, por exemplo. Do ponto de vista técnico, é uma medida totalmente inadequada.
A pneumologista e pesquisadora da Fiocruz Margareth Dalcolmo, colunista do GLOBO, lembra que mesmo os imunizados podem adoecer.
— Embora as vacinas que estamos usando sejam de muito boa taxa de proteção, elas não fazem milagre quando a transmissão na comunidade está muito alta. Enquanto nós não diminuirmos o contágio e obtivermos uma taxa de vacinação de 70%, ainda estamos sob risco — afirmou, à Globonews.
Essa é, na avaliação dela, a diferença do Brasil com os EUA, que liberaram o uso de máscara por pessoas vacinadas, mas apenas em locais abertos. Lá, a taxa de contágio está em menos de 10 casos por cem mil habitantes, enquanto no Brasil varia entre 25 e 35. Além disso, já vacinou 43% da população.
— Eles estão com a epidemia absolutamente controlada, com baixo contágio e ocupação dos leitos. Enquanto aqui, vemos cidades voltando a taxas de transmissão próximas a 1, o nível mais perigoso que indica situação muito grave — avalia.
Mesmo que saia do papel, uma determinação desobrigando o uso de máscara feita pelo Ministério da Saúde não deve ter efeitos práticos, na avaliação de Paulo Almeida, advogado do Instituto Questão de Ciência. Segundo o especialista, ela não anularia normas estaduais ou municipais que obrigam o uso do equipamento.
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— Esse tipo de movimentação, ainda mais com a CPI tão esquentada, é mais uma tática de cortina de fumaça para desviar a atenção de outros assuntos do que uma medida prática. Inevitavelmente, será derrubada — afirma.
Ministro confirma novamente que estudo será feito
Em São Paulo, na inauguração de um hospital na zona sul da cidade, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, confirmou nesta sexta-feira o parecer pedido pelo presidente Jair Bolsonaro para desobrigar o uso de máscaras na pandemia. Ele ainda não deu detalhes sobre o estudo, e deixou uma coletiva ao se irritar com questionamentos da imprensa.
— O nosso presidente da República nos solicitou que fizéssemos estudos. O presidente tem acompanhado o ritmo da velocidade da vacinação no Brasil e também no mundo. Em países que já alcançaram cobertura vacinal ampla, assistimos à flexibilização do uso das máscaras — afirmou.
Questionado sobre a situação do Brasil ser diferente desses países, Queiroga afirmou que este “será nosso caso” e disse que o estudo serviria para “termos posições sólidas e (nos) anteciparmos em relação a todas as medidas”. Ele se irritou quando perguntado sobre a declaração de Bolsonaro desta manhã.
— Eu não sou censor da fala do presidente, tá bom? — declarou, antes de abandonar a coletiva.
Marcelo Queiroga participou da cerimônia de entrega de novos leitos e ampliação do Hospital Municipal de Guarapiranga, na Zona Sul de São Paulo. A obra recebeu recursos federais. Ele esteve acompanhado do prefeito Ricardo Nunes (MDB), do presidente da Câmara, Milton Leite (DEM) e da deputada Carla Zambelli (PSL).
Também presente ao evento, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, afirmou que a cidade continuará cobrando o uso de máscaras em locais públicos independentemente de estudos do governo federal ou de eventual posicionamento divergente do Ministério da Saúde.
— Absolutamente independentes. Aqui na cidade de São Paulo, nós vamos sempre orientar as pessoas a usarem as máscaras — afirmou.
*colaborou Guilherme Caetan
fonte: oglobo.globo.com