No discurso da vitória, há quase um ano, o então recém-eleito presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) reforçou o que dizia em campanha: o novo governo traria mais igualdade e diversidade. A gestão iniciou com recorde ao colocar 11 mulheres à frente de ministérios, mas, ao longo do primeiro ano, a promessa se mostrou mais difícil de ser cumprida.
Em 10 meses, o petista abriu mão de duas ministras — Daniela Carneiro (Turismo) e Ana Moser (Esporte) — para acomodar homens apadrinhados pelo Centrão.
Esta semana, as cobranças ao petista tomaram nova força, após o governo demitir a bancária Rita Serrano da chefia da Caixa Econômica Federal para, mais uma vez, encaixar no quadro um indicado de Lira.
Especialistas ouvidos pelo Metrópoles apontaram duas questões nas movimentações de Lula: a fragilidade estrutural para manter as mulheres na política e a luta por governabilidade, especialmente após o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), marcado por desentendimentos entre Executivo e Legislativo.
“Não privilegiar as mulheres vem da própria política. Temos de reconhecer os grandes ganhos, e não é de um dia para o outro, ou com uma lei que obrigue cotas, que vamos garantir uma influência imediatamente mais forte das mulheres”, afirmou Débora Messenberg, professora do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB).
Segundo ela, as ministras trocadas não tinham respaldo dos partidos políticos e, dessa forma, eram interpretadas como mais “descartáveis”. Esse foi o caso de Daniela Carneiro, dispensada do Ministério do Turismo, após desavenças com o União Brasil.
“Na questão de gênero, não é uma cultura que ainda esteja, mesmo para o PT, em perspectiva hegemônica. Temos claramente um avanço frente ao governo anterior, são ganhos importantes, mas a luta por maior diversidade e pluralidade ainda está longe de ser conquistada”, acrescentou Messenberg.
A professora também ressaltou a necessidade do envolvimento popular nas trocas de cargos: “É preciso cobrar a coerência e os compromissos em relação às promessas de campanha de que ampliaria a diversidade”.
Pressão popular
Para o cientista político André Pereira César, da Hold Assessoria, Lula criou muita “expectativa” sobre a inclusão feminina. “O caso da Ana Moser foi mais simbólico, porque ela era especialista na área, fazia um trabalho interessante e foi muito deselegante a forma como o governo Lula conduziu”, avaliou. Com a saída dela, entrou o deputado federal André Fufuca (PP-MA), recomendado por Lira.
A escolha gerou questionamentos, já que o deputado abasteceu com recursos de uma emenda parlamentar de sua autoria uma empresa fantasma envolvida em um grande esquema de desvio de verbas federais. Apesar disso, não houve grande pressão popular para cortá-lo da pasta.
Uma situação semelhante atingiu o ministro Juscelino Filho, da Comunicação, investigado pela Polícia Federal (PF) por suposto desvio de emendas parlamentares. Juscelino, como apontou o cientista político, é “muito ligado” ao senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP). “Se demitisse o ministro, Lula ia criar um caso. Ele acreditou que a história ia morrer e, realmente, não se fala mais tanto no Juscelino”.
Em contraponto, a pressão popular foi peça-chave na exoneração de pelo menos três pessoas do governo:
- Gonçalves Dias, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) gravado dentro do Palácio do Planalto sem prender os invasores durante os atos golpistas do 8 de janeiro;
- Marcelle Decothé, então assessora da ministra Anielle Franco (Igualdade Racial), e criticada por ironizar a “torcida branca” do São Paulo Futebol Clube;
- Hélio Doyle, ex-presidente da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), que deixou o cargo após postagens nas redes sociais a favor da Palestina na guerra entre Israel e o grupo extremista Hamas.
Para a professora Débora, a negociação entre Executivo e Congresso Nacional é necessária para um governo dentro do presidencialismo aos moldes brasileiros.
“Quem não negocia com o Centrão não governa. Tem de se negociar com o parlamento, que, infelizmente, cada vez mais vem sendo ocupado por pessoas muito conservadoras, que o veem como um espaço de negócios”, destacou.
A especialista apontou que gestões como a de Dilma, que tentaram enfrentar o Congresso, “acabaram não tendo sustentabilidade política”. “Se não atende aos aliados você pode sofrer um golpe, é história recente”, relembrou André Pereira César.
Segundo o cientista político, Lula tenta se “blindar para chegar ao fim do governo” e talvez pensar em uma reeleição. Na interpretação dele, o presidente tentará enfrentar uma pequena crise por vez, e “casos similares” aos das ministras demitidas continuarão ocorrendo, principalmente para garantir a boa relação com o Centrão.
Vagas em aberto renovam tensão
Também na última semana, senadores da oposição mandaram um recado ao governo ao reprovarem, de forma inédita, o indicado pelo presidente para chefiar a Defensoria Pública da União (DPU). Segundo parlamentares, a dose poderá ser repetida caso o petista recomende o ministro Flávio Dino, da Justiça e Segurança Pública, para as vagas no Supremo Tribunal Federal (STF) ou na Procuradoria-Geral da República (PGR).
A mudança de Dino para outro cargo poderá trazer problema ou solução para a gestão de Lula, caso o presidente decida promover ou não uma mulher à chefia do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
“Quando vagou a cadeira de Rosa Weber, no STF, se falou em indicar uma mulher negra, e nomes foram apresentados, mas Lula falou em ser pragmático, ainda mais depois de indicar o (ministro) Cristiano Zanin. Foi personalista e caiu mal”, apontou o cientista político André Pereira César.
“É um xadrez difícil, e Lula está cozinhando. Na PGR, ele deixou a procuradora interina, vai cozinhando e vendo a evolução dos fatos”, completou.
Enquanto isso, o Centrão está de olho na Fundação Nacional de Saúde (Funasa). A instituição tem orçamento de quase R$ 3 bilhões, o que requer cuidado do governo Lula para a escolha.
fonte: metropoles.com