Londres: ‘Chegou a hora de uma nova alvorada’, diz Boris Johnson momentos antes da concretização do Brexit

O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, chega para uma reunião ministerial nesta sexta-feira Foto: POOL / REUTERS

Agora é cada um por si. O Reino Unido estará fora da União Europeia (UE). O primeiro-ministro Boris Johnson cumpriu a promessa de campanha: “Get Brexit done” (“liquidar a fatura do Brexit”, em tradução livre). A saída, contudo, não significa que esse processo que se arrasta desde junho de 2016 tenha terminado. O governo britânico tem até o final do ano para garantir que a separação se dará com um bom acordo para o país, que passa a concorrer com todas as outras nações do mundo pela atenção e benesses da UE.

— Não se trata de um fim, mas de um começo — disse o líder conservador em pronunciamento transmitido pela TV, uma hora antes de o Reino Unido deixar o bloco oficialmente.

Ele admitiu que os sentimentos de ansiedade e perda estão presentes no país, mas garantiu que o resultado final será bem-sucedido e que o desejo das pessoas foi atendido.

— Chegou a hora de uma nova alvorada. A cortina se abre para um novo ato. É o momento de verdadeira renovação e mudança nacional — afirmou, replicando o tom e as expressões que integrantes do governo passaram o dia a repetir.

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Por todo o país, comemorações e protestos marcaram a hora zero do divórcio. As manifestações explícitas de emoção registradas durante todo o dia contrastaram com o quase silêncio de 1º de janeiro de 1973, quando os britânicos ingressaram no bloco. Nada de festas ou fogos de artifício, como estampou na época a edição do jornal The Guardian.

Nesta sexta, teve de tudo. Fogos e até contagem regressiva a partir de um relógio refletido na entrada do número 10 da Downing Street, a residência do premier. Este último, por sua vez, decidiu inaugurar a agenda do derradeiro dia dentro do bloco europeu em um dos redutos simbólicos do Brexit, para onde levou o gabinete inteiro para uma reunião.

A cidade de Sunderland, a primeira a revelar o desejo dos eleitores britânicos de deixar a UE (com 61% dos votos pelo divórcio), reflete também o norte industrial britânico, deixado para trás nestes últimos 12 anos da administração do Partido Conservador, e uma região com a qual o primeiro-ministro prometeu se reconciliar durante a eleição geral de dezembro de 2019. Johnson visitou fábricas, inclusive a da montadora japonesa Nissan, que ameaçou cortar investimentos e empregos se houvesse um Brexit sem acordo com a UE.

Na tarde de ontem, quem passou pelo Palácio de Westminster, a sede do Parlamento britânico, teve dificuldade de reconhecer a imagem impressa tantas vezes nos cartões postais das lojas de lembranças da cidade. Contra um céu cinzento pesado, o prédio histórico parcialmente embrulhado em tapumes estava diante um retrato fiel do Reino Unido, na praça em frente.

Sob uma temperatura de 10 graus, manifestantes pró-União Europeia gritavam, pela última vez antes do fim do casamento de quase meio século, o desejo de continuar no bloco. Alguns com lágrimas nos olhos. Enquanto isso, defensores do Brexit comemoravam como quem festeja o fim de um campeonato de futebol. Houve bate-bocas acalorados. O policiamento foi reforçado. Pouco antes das 23h locais, o horário da saída, a praça do Parlamento reunia milhares de pessoas para marcar a data.

Não muito distante dali, depois de discursar aos britânicos, Johnson comemorava com integrantes do seu gabinete e pessoas próximas. A festa, como fez saber à imprensa, era regada a espumante britânico e acepipes confeccionados com produtos “made in Britain”. A nova moeda de 50 centavos de libra comemorativa do Brexit, que começa a circular neste sábado, vale 0,59 centavos de euro, 9% a menos do que um dia antes do plebiscito de 23 de junho de 2016, quando correspondia a 0,65 centavos de euro.

Na Escócia, o clima foi ainda mais carregado. Em Edimburgo, onde 72% da população votou para continuar na UE, houve vigília com velas em frente ao Palácio de Holyrood, a sede do Parlamento escocês. Durante o dia, a hashtag #LeaveALightOnForScotland (Deixem uma luz para a Escócia) movimentou as redes sociais. Logo cedo, a prefeitura da cidade publicou um tuíte: “Edimburgo ostenta MAIS CIDADÃOS DA UE do que qualquer outro lugar da Escócia… não voltem pra casa… aqui é a sua casa”.

Nicolas Sturgeon, chefe do Executivo escocês, do partido separatista SNP, afirmou que a Escócia foi tirada da UE contra sua vontade (62% da população foi contra o Brexit) e voltou a defender um novo plebiscito para que os escoceses decidam se querem, ou não, permanecer no Reino Unido. Sem autorização de Londres para conduzir o processo, ela não descarta ouvir os escoceses em uma “consulta” e submeter o resultado à Corte Suprema. Pesquisa de opinião do instituto Yougov divulgada na quinta-feira mostra que o “sim” à independência teria 51% dos votos dos escoceses.

Em Bruxelas, a sede das instituições europeias, não houve eventos. A presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, disse que a UE abre um novo capítulo:

— É a história de velhos amigos e um novo começo — afirmou.

Na França, o presidente Emmanuel Macron reconheceu que é um dia triste e “um sinal de alerta histórico” para UE. Disse que o Brexit aconteceu porque a Europa sempre foi usada como “bode expiatório” para as dificuldades internas dos países-membros. Em pronunciamento também pela TV, ele conclamou os europeus a serem “lúcidos” porque “precisamos da Europa mais do que nunca” para, disse, defender os interesses do continente diante de países como a China e os Estados Unidos. Macron também advertiu que as negociações para um novo acordo comercial com os britânicos serão duras:

— Vocês não podem sair e ficar na UE — disse, dirigindo-se aos britânicos.

Nada muda até o fim do ano. Mas está claro que o país acorda diferente. Talvez por isso o governo tenha se empenhado tanto em construir a nova narrativa britânica do pós-Brexit antes mesmo da virada. Integrantes do governo e do Partido Conservador de Boris Johnson, entre outras autoridades favoráveis ao Brexit, passaram o dia repetindo expressões como “uma nova alvorada”, “renovação” e “um recomeço”.

A missão do governo agora é assegurar um acordo que prove que esse recomeço será capaz de unir o país. O embate não acabou. E isso ficou muito claro no programa de Victoria Derbyshire, na BBC, na manhã desta sexta-feira, quando a apresentadora reuniu uma dúzia de cidadãos comuns para discutir suas opiniões sobre o Brexit. Todos brigaram e trocaram acusações entre si. Mal se ouvia o que tinham a dizer.

Assim permanece o humor no reino de Elizabeth II, apesar dos esforços do governo para convencer a população de que a situação está sob controle. A monarca, como manda a tradição política, não se pronunciou.

Fonte: oglobo.globo.com

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