Rio: Medidas de Bolsonaro e posse de Damares geram apreensão em ativistas dos direitos humanos

A nova ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, discursa na solenidade de posse: ‘terrivelmente cristã’ Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

A reorganização do Poder Executivo pelo recém-empossado presidente Jair Bolsonaro, com a transferência de atribuições e responsabilidades dentro e entre alguns ministérios, e a posse da nova ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, geraram apreensão entre ativistas na área.

Publicados nesta quarta-feira no Diário Oficial da União (D.O.U.), a Medida Provisória 870 e o decreto 9.668 “rebaixaram” a população LGBTI na formulação das políticas e diretrizes de direitos humanos no país. Antes objeto do trabalho de uma secretaria nacional na estrutura do ministério, a exemplo das que contemplam as pessoas com deficiência, crianças e adolescente e o combate à violência contra as mulheres, entre outras, a promoção dos direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais agora ficará a cargo de uma diretoria subordinada à Secretaria Nacional de Proteção Global, o que representa uma perda de status desta população dentro do sistema.

– Durante a campanha Bolsonaro deixou muito explícita sua posição contra a população LGBTI, mas a exclusão de qualquer possibilidade de criação de políticas públicas voltada para elas é algo sem precedentes – diz Marcelle Esteves, vice-presidente do Grupo Arco-Íris, organização que há 25 anos luta pelos direitos e proteção desta parcela da população. – Vemos esta postura com temor, pois sabemos o que ela pode acarretar para a vida, e a morte, de seus integrantes, principalmente dos seus mais vulneráveis: travestis e mulheres e homens transexuais.

Segundo Marcelle, diante do fato de o Brasil ser um dos países com maior número de assassinatos de pessoas LGBTI, seria crucial que sua proteção fosse reforçada, e não que perdesse status.

– É um retrocesso gravíssimo. A comunidade LGBTI está estarrecida e com medo do que pode acontecer daqui para frente – acrescenta a ativista. – Sabendo que o Brasil é o país que mais mata esta população, os “LGBTfóbicos” vão intensificar suas ações, ficando mais fortalecidos para fazer o que quiserem uma vez que ela estará mais desprotegida. É um ato que acarretará um maior número de mortes.

Presidente do Conselho Nacional dos Direitos Humanos, onde é representante da Central de Cooperativas e Empreendimentos Solidários do Brasil (Unisol Brasil), Leonardo Pinho tem opinião parecida:

– A população LGBTI precisa de mais atenção, e não menos. Isso (o fim da secretaria nacional para promoção dos direitos das pessoas LGBTI) é um tremendo retrocesso, não só para o ministério mas para o país diante do alto grau de violência que elas são alvo, com as pessoas morrendo pelo simples fato de serem homossexuais.

Ecoando a posição de Bolsonaro, a nova ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, afirmou que no novo governo “menina será princesa e menino será príncipe”. Segundo ela, os direitos LGBTI serão respeitados com o tema sob alçada da Secretaria Nacional de Proteção Global. Damares, que é pastora evangélica, também disse estar ciente de que o Estado é laico, mas lembrou que é “terrivelmente cristã”:

– Acredito nos desígnios de Deus.

Mas os problemas para a área dos direitos humanos trazidos pelas primeiras decisões de Bolsonaro na Presidência não para por aí. Na reestruturação do governo, ele também transferiu a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça para o de Damares, deu ao Ministério da Agricultura o poder de demarcar terras indígenas e quilombolas que estava nas mãos do Ministério da Justiça e determinou que a Secretaria de Governo passe a “supervisionar, coordenar, monitorar e acompanhar as atividades e as ações dos organismos internacionais e das organizações não governamentais no território nacional”, entre outras alterações que estão preocupando os especialistas.

– Qualquer transferência sem um detalhamento de como ela será feita e como será a nova estrutura traz algum grau de apreensão, até porque os processos de reparação já estavam consolidados sob o antigo ministério – avalia Pinho sobre a mudança da Comissão de Anistia. – Não sabemos, por exemplo, se haverá continuidade ou melhoria das políticas existentes, ainda mais indo para um ministério em que a ministra não tem qualquer relação ou proximidade com o tema.

Já quanto à afirmação de Damares de ser “terrivelmente cristã”, Pinho espera que a fé não interfira no trabalho da nova ministra.

– Também sou cristão militante, trabalhando com a Sociedade São ViCente de Paula, mas compreendo que quando o assunto é políticas públicas, o Estado deve ser totalmente laico – destaca. – A fé não pode ser colocada acima dos direitos das pessoas, até para garantir o preceito constitucional de respeito à diversidade religiosa.

Já com relação à fiscalização de ONGs pela Secretaria de Governo, Pinho vê problemas na “dureza” dos termos utilizados.

– Monitoramento e supervisão são expressões que nos preocupam muito – diz. – Um governo democrático não monitora e fiscaliza organizações da sociedade civil. Ele deve é fazer parcerias e regulamentar seu funcionamento, não suas ações.

Diante disso, Pinho conta que já solicitou reunião com a nova ministra, provavelmente a ser realizada no fim deste mês, para levar a ela as preocupações dos ativistas na área de direitos humanos.

fonte: oglobo.globo.com

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